Impressiona-me o fato da Filosofia ter tardado a ocupar algum espaço afetivo em minha vida. Durante os mais de vinte anos em que ocupei os bancos escolares, o conhecimento filosófico era tratado de forma excessivamente abstrata, desconectado com o mundo e seus problemas, o que me levou a considerá-lo um campo demasiadamente especulativo e contemplativo, pouco fértil a espíritos jovens e práticos que, como eu, esperavam encontrar soluções instantâneas às mazelas sociais de uma sociedade pós-moderna que despontava, caracterizada pela desconfiança a discursos melindrosos e ortodoxos. Sendo assim optei por afastar-me do caminho abrolhoso da Filosofia. Estava convencido da impossibilidade de tornar-me um dia amante dessa nobre senhora. Ela era por demais geniosa e altiva para ser amada por um sujeito raquítico que se limitava a reproduzir discursos partidários requentados. Não vislumbrava a filosofia como instrumento válido na apreensão do meu mundinho restrito a foices, martelos e kibutzim.
Frente ao tratamento departamentalizado do conhecimento na universidade fui me convertendo gradualmente em um sujeito caótico, pouco convencido da objetividade da realidade, levando-me, por conseguinte, a recusar a possibilidade de se apreender por meio do discurso científico a verdade de todo e qualquer fenômeno social. Acreditava, desde então, que toda fala, inclusive a minha, era essencialmente babélica. Agora estava plenamente convencido de que o abandono da Filosofia tinha sido um bom negócio, tanto para mim como para ela. Afinal de contas, naquela época, vislumbrava estupidamente a Filosofia como área do saber caracterizada pela tentativa de se apreender a verdade dos objetos e fenômenos de forma unívoca. Eu, entretanto, como protótipo de jovem vermelho, não estava disposto a renunciar minha promiscuidade intelectual. Mesmo que intentasse não poderia ser um amante fiel, pois era no terreno da desordem que se localizava a fonte do meu modo de pensar, caracterizado pela liberdade em recorrer a qualquer saber, legitimado ou não pela academia, livre, portanto, de cercas e arames axiológicos.
Em razão de minha desconfiança cristalizada, passei a explorar campos que me pareciam mais auspiciosos para o cultivo das minhas idéias que, apesar de sempre despontarem sob o completo domínio da anarquia, eram coerentes. Nesse momento a literatura surge com fulgor. Apaixonei-me pela ficção, especialmente a russa, a francesa e a brasileira. A Filosofia pura dos encorpados manuais e tratados foi esquecida por um bom tempo. Não havia mais espaço para ela à medida que a Literatura encorpava-se, estendia seus ramos com liberalidade. Deleitava-me ao constatar que a Literatura reconhecia a infinitude de transposições interpretativas, fruto da contradição inerente à própria palavra. A Filosofia sistemática, por sua vez, me parecia se configurar de forma oposta, buscando apreender a palavra/discurso em toda sua inteireza. Estupidez extrema!
Felizmente, um pequeno livrinho – florilégio do pensamento de alguns filósofos estruturalistas e pós-estruturalistas – produziu uma verdadeira metanóia em relação à Filosofia. Foucault, por exemplo, que era filósofo, me ajudou a compreender a instabilidade de qualquer discurso, seja este de natureza filosófica ou literária: “A morte da interpretação é o crer que há símbolos que existem primariamente, realmente como marcas coerentes, pertinentes e sistemáticas. A vida da interpretação, pelo contrário, é o crer que não há mais do que interpretações (FOUCAULT, [19--?], p. 21).
A Filosofia e a Literatura, nesse sentido, passaram a ser analisadas como campos do saber que partilham, essencialmente, o mesmo destino, por serem instáveis à medida em que se configuram como realidades subordinadas a um sistema lingüístico, resultando assim em campos abertos do saber cujos limites fronteiriços são extremamente flexíveis. Desde então apreendi a cultivar a filosofia como instrumento por excelência na práxis de análise e construção de sentidos dos textos literários, reconhecendo-os que todos eles são constituídos por “um batalhão de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias” (NIETZSCHE, 1974, p. 56).
Frente ao tratamento departamentalizado do conhecimento na universidade fui me convertendo gradualmente em um sujeito caótico, pouco convencido da objetividade da realidade, levando-me, por conseguinte, a recusar a possibilidade de se apreender por meio do discurso científico a verdade de todo e qualquer fenômeno social. Acreditava, desde então, que toda fala, inclusive a minha, era essencialmente babélica. Agora estava plenamente convencido de que o abandono da Filosofia tinha sido um bom negócio, tanto para mim como para ela. Afinal de contas, naquela época, vislumbrava estupidamente a Filosofia como área do saber caracterizada pela tentativa de se apreender a verdade dos objetos e fenômenos de forma unívoca. Eu, entretanto, como protótipo de jovem vermelho, não estava disposto a renunciar minha promiscuidade intelectual. Mesmo que intentasse não poderia ser um amante fiel, pois era no terreno da desordem que se localizava a fonte do meu modo de pensar, caracterizado pela liberdade em recorrer a qualquer saber, legitimado ou não pela academia, livre, portanto, de cercas e arames axiológicos.
Em razão de minha desconfiança cristalizada, passei a explorar campos que me pareciam mais auspiciosos para o cultivo das minhas idéias que, apesar de sempre despontarem sob o completo domínio da anarquia, eram coerentes. Nesse momento a literatura surge com fulgor. Apaixonei-me pela ficção, especialmente a russa, a francesa e a brasileira. A Filosofia pura dos encorpados manuais e tratados foi esquecida por um bom tempo. Não havia mais espaço para ela à medida que a Literatura encorpava-se, estendia seus ramos com liberalidade. Deleitava-me ao constatar que a Literatura reconhecia a infinitude de transposições interpretativas, fruto da contradição inerente à própria palavra. A Filosofia sistemática, por sua vez, me parecia se configurar de forma oposta, buscando apreender a palavra/discurso em toda sua inteireza. Estupidez extrema!
Felizmente, um pequeno livrinho – florilégio do pensamento de alguns filósofos estruturalistas e pós-estruturalistas – produziu uma verdadeira metanóia em relação à Filosofia. Foucault, por exemplo, que era filósofo, me ajudou a compreender a instabilidade de qualquer discurso, seja este de natureza filosófica ou literária: “A morte da interpretação é o crer que há símbolos que existem primariamente, realmente como marcas coerentes, pertinentes e sistemáticas. A vida da interpretação, pelo contrário, é o crer que não há mais do que interpretações (FOUCAULT, [19--?], p. 21).
A Filosofia e a Literatura, nesse sentido, passaram a ser analisadas como campos do saber que partilham, essencialmente, o mesmo destino, por serem instáveis à medida em que se configuram como realidades subordinadas a um sistema lingüístico, resultando assim em campos abertos do saber cujos limites fronteiriços são extremamente flexíveis. Desde então apreendi a cultivar a filosofia como instrumento por excelência na práxis de análise e construção de sentidos dos textos literários, reconhecendo-os que todos eles são constituídos por “um batalhão de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias” (NIETZSCHE, 1974, p. 56).
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